Artigos

Quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Desvio na função dos impostos

No último dia 21 de novembro a Fundação Getulio Vargas (FGV) deu andamento à série de eventos para discutir a questão tributária brasileira. A ideia é promover mais três encontros até fevereiro de 2014 e produzir um relatório que será entregue aos principais candidatos à presidência da República e aos governos estaduais. O último evento contou com a presença do secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Andréa Calabi, que expôs sobre o ICMS e os problemas causados pela guerra fiscal. Um ponto a ser destacado em sua apresentação refere-se ao uso do ICMS como meio de desenvolvimento econômico, ficando em segundo plano sua função como instrumento arrecadatório. Esse é um fenômeno a ser debatido no processo de reforma tributária. No Brasil há um desvio quanto ao papel dos tributos. É preciso rever uma postura impregnada em segmentos da sociedade que consideram os impostos como solução para todos os problemas. Visões românticas enxergam nos tributos a expressão do espírito cívico do cidadão. Humanitários passaram a acreditar que a única forma de distribuir renda e riqueza é através da tributação punitiva dos mais eficientes. Economistas e líderes políticos buscam nos impostos, ou na isenção deles, o caminho principal para estimular o desenvolvimento. Ecologistas e sanitaristas usam o sistema como forma de proteção ao meio ambiente e de punição aos infratores. Planejadores urbanos e regionais utilizam-no como mecanismo de indução para o controle espacial das atividades econômicas. Defensores da reforma agrária querem a tributação corretiva dos latifundiários. Os exportadores querem câmbio competitivo pela cobrança de tributos dos investidores externos e assim por diante. Certa vez, Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, comentou a respeito dos tributos como a solução para tudo dizendo: “isso serve apenas para demonstrar que o debate sobre matéria tributária pode tomar rumos imprevisíveis, ditados por razões fortuitas ou motivos insondáveis.” Já para Mangabeira Unger, professor da Universidade de Harvard, isso leva a “ilusões edificantes e tranquilizadoras”, mas o essencial é gerar “dinheiro para o Estado investir no social”. A ênfase na extrafiscalidade dos tributos, ainda que legítima, vem se sobrepondo aos objetivos fiscais, tornando o sistema tributário brasileiro pouco funcional em sua função essencial que é a de arrecadar recursos para financiar o Estado. Além disso, enxergar nos impostos o meio de satisfazer metas que não sejam prioritariamente a geração de receita pública cria uma estrutura tributária de elevado custo, ineficiente, corrupta e indutora das mais variadas formas de evasão. É necessário resgatar a função arrecadatória dos impostos. É um ponto de partida para a necessária simplificação do sistema e que poderia destravar o processo de reforma tributária no país. Os demais objetivos do Estado podem ser atingidos através de subsídios, transferências diretas, punições pecuniárias, compras governamentais, regulação e até mesmo intervenções diretas. ______________________________________________________________________ Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto único. É Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. www.facebook.com/marcoscintraalbuquerque mcintra@marcoscintra.org www.marcoscintra.org

Marcos Cintra

Marcos Cintra Opinião Econômica

58, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças de São Bernardo e autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

veja mais artigos deste colunista