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Sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Ajuste recessivo

Ajustes fiscais duradouros e de boa qualidade são os que se baseiam em corte de gastos. Os de pior qualidade, e mais recessivos, são aqueles que dependem de aumento de impostos. Redução de gastos possui nítidas vantagens: cortam gorduras e ineficiências, combatem os “rent seekers” (agentes que tentam obter renda manipulando o ambiente político) e a corrupção, diminuem a demanda do setor público por poupança privada e preservam a capacidade de investimento das empresas. Já os ajustes baseados em aumento de tributos são mais simples, porém não possuem muitas das qualidades acima, além de serem recessivos ao asfixiarem o setor produtivo e o consumo das famílias. O ajuste que começa a ser posto em prática no Brasil é perverso, pois envolve elevação de tributos, como a Cide, IOF, PIS-Cofins, o fim de isenções e desonerações de IPI e INSS, e até possivelmente a recriação da CPMF. O aumento de carga tributária poderá chegar a 2% do PIB. Por outro lado, as reduções de gastos públicos ainda são hipotéticas, e apesar da elogiável disposição do ministro Joaquim Levy em implementá-las, já enfrentam enorme oposição política e popular. Os obstáculos para reduzir despesas são notórios no mundo todo, mas particularmente perceptíveis no Brasil, que optou por um modelo de estado de bem estar social, sem dispor de meios para financiá-lo. O corporativismo, a cultura do “direito conquistado”, a demagogia, o populismo e a ditadura do “politicamente correto” transformaram o país na “república dos coitadinhos”, onde os que são considerados “vulneráveis” julgam-se detentores de privilégios a ponto de desafiarem as autoridades constituídas para conquistarem suas metas. Questões objetivas de equidade e eficiência acham-se subordinadas à lógica do combate à desigualdade a qualquer custo. Outro foco de dificuldade para cortar despesas diz respeito ao processo orçamentário brasileiro, que é incremental. Propostas orçamentárias adotam como premissa que os gastos e ações em andamento são justificáveis pelo simples fato de já existirem, cabendo aos que elaboram, aprovam e executam os orçamentos públicos interferirem apenas em decisões marginais de acréscimos ou de reduções desses programas. Os orçamentos tornam-se rígidos e inflexíveis para baixo. Sobrevivem por pura inércia. Vê-se, portanto, que no tocante à redução de gastos públicos as dificuldades são enormes. Basta lembrar que apenas dez por cento das receitas federais são destinadas a gastos discricionários -não obrigatórios por lei-, incluindo investimentos. Em resumo, não bastasse o descalabro que este governo gerou em sua gestão orçamentária, que seria corrigido com a adoção do método de orçamento base-zero (que todo ano revisa e avalia a eficiência dos gastos do ano anterior), o ajuste trilha o caminho mais ineficiente e recessivo para corrigir os seus próprios erros, aumentando a já exorbitante carga tributária brasileira. ______________________________________________________________________ Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto único. www.facebook.com/marcoscintraalbuquerque

Marcos Cintra

Marcos Cintra Opinião Econômica

58, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças de São Bernardo e autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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