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Quinta-feira, 12 de junho de 2008

Valor justo e infidelidade informativa

A insegurança trazida pelo conceito de “Valor Justo” está a causar contradições e ensejar alternativas.

Matéria veiculada no New York Times do dia 28 de março (If Market Prices Are Too Low, Ignore Them) bem mostra a vacilação e discutível conclusão da Comissão de Valores dos Estados Unidos, a SEC (e não é só ela que está em tal emaranhado).

Tudo porque se está esquecendo de que só a doutrina científica tem meios para salvar o movimento normativo (eivado de defeitos).

O assunto tem raízes profundas.

Há quase um século o emérito doutrinador italiano Fábio Besta, no tomo I de sua imortal obra “La Ragioneria” (obra identificada na Bibliografia, páginas 62, 83, 219 e seguintes, 259 e seguintes do Volume I), lecionou que as avaliações de maior segurança e menos sujeitas a dúvidas são as espelhadas pelo “valor nominal” dos elementos patrimoniais.

Fazendo o mestre a apologia da determinação monetária em bases confiáveis, fez-se também pioneiro quanto à construção de elementos que poderiam ser tidos como uma autêntica teorização sobre o tema.

Distinguiu, todavia, de forma clara, nas páginas referidas, a diferença entre “valor de contas” de “valor de troca da moeda”, fato que entendeu ensejar distorções, eventos que influem sobre a imagem da mensuração.

Defendeu de forma enfática uma adequação de valor, o mais próximo possível de uma realidade a ser medida.

Considerou o valor patrimonial como um complexo de elementos que contribuem para a formação do mesmo, mas, defendeu a unicidade de expressão; isso equivaleu a afirmar que se são apresentados diversos valores para uma coisa, ainda que para cada um se apresente justificativa, deixa-se de apresentar o valor real ou nominal.

Como coisas antigas reaparecem ciclicamente sob o manto de “novidades” as teses de Fábio Besta, sob novo rótulo, parecem ter sido evocadas pelas ditas Normas Internacionais sob a denominação de “Valor Justo”, mas sem sustentação competente para evitar a incerteza e abandonando em parte as sábias ponderações do iluminado mestre.

A simples referência a um poder de “efetivação real no mercado” como equivalente a de um “valor justo” é insuficiente e isto a realidade está a mostrar, conforme evidencia a matéria editada há pouco no New York Times, já referida (If Market Prices Are Too Low, Ignore Them).

Muitos são os defeitos a considerar.

Assim, por exemplo, um empreendimento não tem, normalmente, seu imobilizado para ser vendido, mas, sim, para ser usado, e, isto, em vez de “valorizar” o patrimônio por uma consideração de “valor de realização”, muito responsabiliza a empresa quanto ao “valor de reposição” ou de compra de novos equipamentos para manter “força produtiva” e a “capacidade competitiva”.

Em tese, o problema da aludida “reintegração da perda do capital pelo uso” desmerece o valor de realização de um bem do imobilizado, mesmo se considerados os aspectos do capital (qualitativo e quantitativo).

O preço da data do balanço, calculado para um bem, a valor de liquidação, poderá não ser mais o do dia seguinte e nem será possivelmente o de reposição da força produtiva, esta que exigirá desembolso de capital.

Esse o risco que hoje é assumido em defluência de uma “lei” que aceita uma submissão cultural relativa à informação contábil nas sociedades por ações (aferrada que ficou às Normas produzidas por grupos alienígenas).

BIBLIOGRAFIA

BESTA, Fábio - La Ragioneria, vols. I, II, III, edição Vallardi, Milão, 1929
FERREIRA, Leonor Fernandes – Modelos de avaliação de empresas e utilidade da informação contabilística – dissertação de doutorado em Gestão de Empresas, Universidade Lusíada, Lisboa, 2004
FERREIRA, Rogério Fernandes - A propósito das NIRF (Normas Internacionais de Relato Financeiro), em Revista de Contabilidade e Comércio, volume LX, nº. 239, Porto, Dezembro de 2007
NEW YORK TIMES, If Market Prices Are Too Low, Ignore Them, edição de 28 de março de 2008
SANTOS, Luís Lima – A Contabilidade nos paises de língua portuguesa, estudo comparativo dos normativos sobre demonstrações contabilisticas anuais para as empresas não financeira, edição da Faculdade de Ciências Econômicas e Empresariais de Vigo, Vigo, 2006
SIMÕES, Jorge Reis – As Normas Internacionais da Contabilidade do IASC à IASC Foundation, em Revista de Contabilidade e Comércio, volume LX, nº. 239, Porto, Dezembro de 2007


Responsabilidade profissional e falácias em normas internacionais de contabilidade

A responsabilidade do profissional em emitir opinião para nortear a terceiros sobre situações patrimoniais envolve responsabilidade ética.

A dependência de outras pessoas em relação ao que venha a orientar um contabilista é notória não sendo permitido errar ou falsear sem prejudicar a quem solicita um parecer.

Isso significa que quer individual ou socialmente sérias questões decorrem quando existem opiniões de má qualidade.

No campo pericial, em auditoria, na gestão das empresas, a opinião enganosa pode causar danos de todas as dimensões e naturezas.

O Código Civil de 2002 vem de responsabilizar o preposto, como é o Contador, não só perante o preponente, mas, também, perante terceiros e nesse caso se enquadra o profissional da Contabilidade.

Tal situação alterou o procedimento anterior e aumentou consideravelmente o ônus que recaia sobre a função contábil e que é a de cumprir tarefas determinadas por alguém.

A obediência, pois, aos preceitos doutrinários da ciência, metodologia adequada e sadia é algo que multiplicou sua importância.

Hoje mais que nunca se faz necessário a adoção de rigorosos critérios para que as conclusões sejam adequadas.

A quebra do valor ético aumenta a necessidade de uma invulgar atenção sobre todos os fatos submetidos ao exame profissional.

Na medida em que se consagra a mentira como algo aceitável, em que falta o respeito ao patrimônio alheio e especialmente ao público, o profissional da Contabilidade precisa redobrar as suas atenções a fim de que não seja vítima de tal deteriorado processo.

Tem havido, todavia, uma vocação irresponsável de culpar-se o contabilista pelos erros cometidos por gestores de riquezas, assim como conluios têm-se realizados para lesar patrimonialmente a terceiros imputando-se depois a culpa aos profissionais.

As levianas atitudes dos que assim acusam tem aumentado o risco no exercício profissional de forma assustadora.

O importante, pois, é que além de rigorosamente atualizar-se o contabilista tenha em mente não se contentar em ter conhecimento, sendo necessárias cautela e estratégia para evitar riscos de acusações em razão das tarefas que desempenha.

Por outro lado deve redobrar suas atenções de forma a não ser omisso ou negligente em opinar, considerados males que podem causar as opiniões derivadas de incompetência, má fé ou omissão.

O risco, todavia, aumentou, sensivelmente, após a edição da Lei 11.638/07 que apóia as ditas normas internacionais, estas que são portas abertas ao subjetivo tal como se apresentam na atualidade.

Várias falhas se consagram com tal abertura.

Assim, por exemplo, o denominado “valor justo” é uma inequívoca sinalização a uma expressão que pode resultar em falsidade se não houver um freio à excessiva liberalidade que enseja.

As Normas Internacionais dão com isso asas à arbitrariedade, fugindo ao rigor científico.
Diversos são os equívocos de um mal elaborado sistema que se apresentando como “nova visão contábil” e a título de “convergência” (o que é igualmente discutível) está a incorrer em sérios defeitos conceituais.

Dentre as várias lacunas existe ainda a imposição normativa de considerar o Arrendamento Mercantil (Leasing) como Imobilizado o que vai falsear a opinião nas empresas, obrigando o profissional a mentir e evidenciar erroneamente a quem busca a informação.

A falta de lógica que existe em muitas das “definições”, a visão equivocada da realidade, o afastamento da ciência, tudo isso mais cedo ou mais tarde redundará em novos problemas nos mercados de capitais, em defluência das informações enganosas que as ditas Normas Internacionais ensejam.

O tempo se incumbirá de provar o quanto de equivocado existe nessa submissão cultural agasalhada pela lei e que agora tanto preocupa pelos sérios defeitos de base que apresenta.

Entre o que estabelece o Código Civil de 2002 e as Leis das Sociedades por Ações existem inequívocos riscos a serem ponderados.


Antônio Lopes de Sá

Antônio Lopes de Sá Experiência profissional e cultural

Doutor em Letras, honoris causa, pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999 Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de 176 livros e mais de 13.000 artigos editados internacionalmente. www.lopesdesa.com.br.

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