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Quinta-feira, 12 de junho de 2008

Destemidos ou corajosos

Meu filho tem 8 anos e tem medo de escuro. Não consegue dormir sem uma luz acesa. Tenho ajudado ele de diversas formas. Não sou psicólogo e não sei de onde vem este medo, mas eu lembro que quando era criança também tinha, não sabia dizer por que e nem como foi embora, mas aparentemente é um medo comum nesta idade.

Com certa regularidade, eu fico no seu quarto até ele adormecer. Nestes casos, ele aceita ficar com a luz apagada. Numa destas vezes eu perguntei: ‘Mas você tem medo de quê? Porque você não tem medo quando estou aqui?’ Ele responde que se sente mais seguro comigo. Tento argumentar que no escuro ou de olhos fechados ele não saberia se eu estaria lá ou não, mas ele é pragmático: ‘Eu pergunto, se não responder, acendo a luz’.

Assim prosseguimos nossa conversa, até que uma hora sugeri: ‘Você poderia ficar com a luz apagada e, quando o medo viesse, acenderia rápido. O que acha?’ Sentindo sua apreensão, tratei logo de trazer mais uma segurança: ‘Você fica deitado com o interruptor do abajur na mão’. Diante de um aceno positivo com a cabeça, logo comecei a mexer os móveis antes que ele mudasse de idéia. Apaguei a luz. Imediatamente, como para me testar, ele ascendeu o abajur. Não me deixei abater: ‘Tá vendo? Você acende quando quiser. Agora apague novamente’. Ele apaga o abajur, mas não solta o interruptor. Na primeira noite fiquei com ele o tempo todo. Na segunda eu o deixei e observei, pela fresta na porta, ele acendendo e apagando.

O medo é algo complicado de se explicar. Só quem tem sabe o que é. Fobias de escuro, de altura, de multidões, de lugares fechados, de animais são comuns principalmente entre adultos. O que é comum em todas as fobias é que elas surgem a partir da incerteza sobre algo que não se tem controle efetivo. Quanto maior o domínio da situação, maior a segurança e menor o temor de que algo saia do planejado.

O desconhecido também é fonte de medo de se aventurar em um negócio próprio. Empreendedores não possuem pleno domínio sobre o ambiente em que estão se inserindo. O medo de errar impede empreendedores de investir para seu negócio prosperar, cria barreiras inexplicáveis para uma parceria de grande potencial, leva empreendedores a deixar passar boas oportunidades. Histórias de fracasso e estatísticas afugentam muitos empreendedores em potencial.

É esperado que o empreendedor seja destemido, certo? Errado! Destemidos são pessoas sem medo. Não é esperado que o empreendedor seja destemido, pois não ter medo é extremamente perigoso. Pessoas destemidas não medem seus atos, se arriscam demais, não sabem avaliar o ambiente para tomar as melhores decisões. Pessoas destemidas com freqüência se dão mal e quebram a cara, são inconseqüentes e imprudentes. Pessoas destemidas não se preocupam com os riscos, deixam-se levar pelas circunstâncias e acham que nada vai dar errado.

Bem, então o empreendedor deve ser medroso? Claro que não. Uma das características que diferenciam o empreendedor das outras pessoas é justamente o seu lado ousado, sua capacidade de encarar riscos, sua predisposição de se expor e de assumir responsabilidades e as conseqüências de seus atos. Não, o empreendedor, definitivamente não é medroso.

O empreendedor é corajoso. Ele tem medo, mas o enfrenta. O medo é importante para que ele pese cada decisão, para que pondere cada ação tomada. O medo é importante para que ele saiba que pode perder quando errar, mas não chega a paralisá-lo. Ele tem consciência de que não domina todo o negócio e todas as suas variáveis, mas faz o possível para minimizar as incertezas.

No processo de formação de empreendedores, não se pode simplesmente dizer para não temer as situações difíceis que certamente surgirão pelo caminho. É preciso dar-lhe condições para minimizar as incertezas e assumir algum tipo de controle sobre estas situações, como um simples interruptor de um abajur. Planos de negócios ganharam popularidade como instrumentos para reduzir incertezas e forçar o empreendedor a estudar o negócio, levantar informações pertinentes, antecipar riscos e restrições, reduzir o desconhecido e, consequentemente, minimizar o medo de enfrentá-lo. Existem outras formas de se aumentar o controle sobre o desconhecido: Informações e conhecimento privilegiados, associações e parcerias para dividir oportunidades e riscos, planos de ação contingenciais e medidas paliativas, são algumas delas.

De vez em quando eu pego meu filho dormindo com o abajur aceso e às vezes o abajur está apagado, mas ele invariavelmente está com a mão no interruptor. Se não der certo, tenho outros instrumentos para lhe dar, e sei que algum deles vai lhe dar a confiança para enfrentar o medo. Da mesma forma, o empreendedor precisa buscar seus próprios instrumentos para, a cada dia, a cada nova circunstância, empurrar um pouquinho para cima a barra que limita sua capacidade de enfrentar as situações que ontem o impediam, que hoje o desafiam e amanhã o estimularão.


Marcos Hashimoto

Marcos Hashimoto Gestão de Negócios

Mestre em Administração pela EAESP/FGV, sócio-diretor da Lebre Consulting, Professor e Pesquisador da Business School São Paulo, Coordenador da Pós Graduação em Empreendedorismo no Uirapuru Superior, membro do Centro de Empreendedorismo da EAESP/FGV, colunista da Você S/A, foi executivo no Citibank e na Cargill Agrícola. É um dos autores do software de Plano de Negócios SP Plan da parceria Sebrae-SP/Fiesp, parceiro do Instituto Chiavenato, Instituto Empreender Endeavor e Instituto Brasileiro de Intra-Empreendedorismo.

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