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Quinta-feira, 12 de junho de 2008

Banqueiro dos pobres

Uma das principais dificuldades do empreendedor é o acesso ao crédito. Sem o capital inicial, muitos empreendimentos não conseguem sequer sair do papel. A ironia é que atualmente há abundância de capital disponível no mundo, e, embora haja também uma demanda por crédito muito grande, este capital não encontra estes necessitados porque os critérios para se conceder crédito adotados pelas instituições financeiras partem do pressuposto que só é merecedor do financiamento aqueles que provarem serem bons pagadores, o princípio da exclusão.

Um economista bengalês virou esta lógica de cabeça para baixo. Muhammad Yunus, também conhecido como ‘o banqueiro dos pobres’, fundou, em 1978, um dos primeiros bancos de micro-crédito no mundo, em Bangladesh, o Grameen Bank. Para Yunus, a pobreza raramente decorre de preguiça, má formação educacional ou problemas pessoais, mas sim do custo proibitivo do capital. Para ele, tão importante quanto ao direito à alimentação e à moradia, é o acesso ao crédito. O Grameen Bank baseia suas relações com os clientes na confiança mútua. Pequenos grupos de mulheres (sim, as mulheres correspondem a 96% dos clientes) responsabilizam-se umas com as outras para garantir o retorno do empréstimo (mais de 98% dos empréstimos são retornados no prazo). Na verdade, sua lógica é simples: Na cultura islâmica, em que as mulheres são excluídas socialmente, o privilégio de receber uma média de 30 dólares (uma fortuna para elas) sem exigir nenhuma documentação nem garantias lhes dá tal senso de orgulho e responsabilidade, que todas fazem questão de manter esta confiança.

Vinte e cinco anos depois, com mais de 12 mil funcionários e presente em 46.600 vilarejos, o Grameen Bank se tornou referência para outras experiências de micro-crédito em 57 países. Yunus ganhou o prêmio Nobel da Paz no ano passado, mas mantém um estilo de vida austero. A despeito de seu império vive com a família em um apartamento de dois dormitórios no centro de Bangladesh. Suas realizações e sua formação em economia dão muita credibilidade às suas idéias:

“... lágrimas corriam de seus olhos pelo sentimento de que alguém realmente confiava nela para lhe dar tanto dinheiro. Ela pensava que se alguém confiava tanto assim nela, ela iria trabalhar muito duro, iria dar sua vida para assegurar que confiança iria continuar.”

“Não há estrutura legal, não há documentação, não podemos levar aos tribunais e processar a pessoa. Simplesmente confiamos nelas e elas confiam em nós.”

“É com o crédito que tudo começa. Com ele o pobre pode traduzir seu próprio talento, sua criatividade para criar sua vida. Com o crédito ele aprende a ganhar sua própria alimentação, conquista sua moradia e batalha por seus outros direitos humanos.”

“Caridade não ajuda as pessoas pobres. Caridade subtrai sua iniciativa, elimina sua dignidade. O que elas precisam é de oportunidade.”

“Para vencer a pobreza, projetos gigantescos não são suficientes. É preciso antes de tudo preocupar-se com o primeiro elo da cadeia: o ser humano. Oferecendo para ele esperança.”

Assim como Yunus, milhares de pessoas ao redor do mundo possuem idéias criativas e inovadoras para transformar e melhorar a sociedade e o meio ambiente. Estes são os empreendedores sociais. Com atitudes simples, mas carregadas de iniciativa, determinação, criatividade e visão, estes empreendedores contribuem com projetos como reintegração de menores em situação de risco, defesa dos direitos humanos, cooperativas comunitárias, capacitação e educação, inserção digital, socialização de portadores de deficiências, apoio e ajuda a familiares de desaparecidos, conscientização ambiental, erradicação do analfabetismo, construção de moradias populares, entre outras.

O terceiro setor vem crescendo e se estruturando como via alternativa para suprir as deficiências do Estado. Como entidades sem fins lucrativos, o grande desafio vem sendo garantir sua sustentabilidade. A maioria já se dá conta que não pode mais se manter na base de doações e contribuições e muitas começaram a aprender a gerar seus próprios recursos, vendendo produtos e serviços e gerando receita, mas mantendo o direcionamento de seus excedentes para re-investimento na própria instituição.

O micro-crédito já chegou ao Brasil, na forma de 110 instituições que trabalham como ONGs ou na forma de cooperativas de crédito. Os modelos nacionais tiveram que ser adaptados à realidade brasileira, pois a situação social, cultural e econômica é bastante distinta de Bangladesh, mas a filosofia continua sendo a mesma: A miséria só será debelada quando aprendermos que o assistencialismo deve ser substituído pela oferta de oportunidades.


Marcos Hashimoto

Marcos Hashimoto Gestão de Negócios

Mestre em Administração pela EAESP/FGV, sócio-diretor da Lebre Consulting, Professor e Pesquisador da Business School São Paulo, Coordenador da Pós Graduação em Empreendedorismo no Uirapuru Superior, membro do Centro de Empreendedorismo da EAESP/FGV, colunista da Você S/A, foi executivo no Citibank e na Cargill Agrícola. É um dos autores do software de Plano de Negócios SP Plan da parceria Sebrae-SP/Fiesp, parceiro do Instituto Chiavenato, Instituto Empreender Endeavor e Instituto Brasileiro de Intra-Empreendedorismo.

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