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Quinta-feira, 12 de junho de 2008

Pílula azul ou vermelha?

Esta semana tive duas experiências que me trouxeram grande satisfação pelo meu trabalho. A primeira, como consultor, encerramos um trabalho de 5 meses de desenvolvimento de um plano de negócios para um cliente e a segunda, como professor, foi a apresentação dos trabalhos de conclusão de curso de meus alunos, cujo tema também era plano de negócios.

Além de ambos serem planos de negócio, o que mais estes dois eventos possuíam em comum? Nenhum dos dois tinha conhecimento prévio de planos de negócios e em ambos os casos, eles não tinham formação prévia em gestão de negócios (eram profissionais de RH e profissionais de saúde), mas ambos tinham escrever um plano de negócios completo sobre uma idéia que eles conceberam.

A minha satisfação foi além da sensação de missão cumprida e do orgulho do resultado final dos trabalhos. Mais do que isto, minha alegria foi perceber a riqueza do aprendizado que clientes e alunos tiveram com a descoberta do mundo dos negócios, adquirida na medida em que eles evoluíam no desenvolvimento de seus planos.

Eu mesmo vivi isso há 10 anos, quando fiz meu MBA. Tendo a formação básica em Tecnologia da Informação, meu mundo se restringia à minha especialidade e nunca tive interesse em saber como funcionava o negócio da empresa que me pagava o salário. O conhecimento que adquiri, tanto no curso, como no exercício de escrever um plano de negócios completo a partir de uma idéia promissora, me ampliou a visão como eu jamais imaginava ser possível com relação ao funcionamento de uma empresa.

Por isso eu sei o que significa esta descoberta para quem não é da área. Acredito que o exercício de escrever um plano de negócios real é até mais rico do que fazer um curso de gestão, pois a teoria, mesmo com um ou outro exercício, é volátil e rapidamente esquecida. Quando somos forçados a aplicar esta teoria a um negócio real, mesmo que seja apenas na simulação em papel na forma de um plano de negócios, a teoria começa a tomar forma e ganhar significado.

Como organizador de competições de planos de negócios e orientador das equipes que participam, já não me surpreendo mais com o depoimento de membros destas equipes que são biólogos, engenheiros, tecnólogos, médicos, advogados, publicitários, arquitetos e outras especialidades, de encantamento pela experiência vivida e pelo aprendizado adquirido ao escrever o plano de negócios de um hospital, uma tecnologia de composto químico, um novo tipo de revestimento, uma fazenda de animais de corte ou um software de design.

Entre conhecer tecnicamente um produto, uma especialidade, uma tecnologia, e viabilizá-lo como negócio existe uma enorme distância da qual os especialistas procuram se afastar por puro medo do desconhecido. Ter a coragem de ampliar a visão e enfrentar o processo de encurtar esta distância através da elaboração de um plano de negócios se transforma em uma viagem cujos resultados são mais do que gratificantes.

Posso assegurar que qualquer um que enfrenta este desafio e aprende os conceitos básicos que norteiam qualquer negócio, como os fundamentos de marketing, de estratégia, de finanças e análise de investimentos, de operações e desenhos organizacionais, de distribuição e modelos de negócio, está plenamente capacitado para ver o mundo sob outra ótica. Ele vai ao restaurante e procura entender a lógica do estabelecimento dos preços do cardápio. Ele anda na rua, olha aquele espaço onde antes havia um outdoor e imagina que estratégia estariam adotando aquelas empresas diante da limitação da lei municipal. Ele abre um jornal e pensa como se enfrenta a internet como concorrente de mídia de comunicação de massa. Ele passa em uma praça de pedágio e procura entender a lógica de negócio das concessionárias de rodovias. Ele entra no supermercado e imagina as negociações dos fabricantes para disputar um espaço nobre na gôndola. E assim, o dia-a-dia se descortina com outras cores, muito mais interessante, vívida e rica.

Não raro, acontece com as pessoas o que aconteceu comigo. De repente, diante da amplitude que se descortina, seu mundo puramente técnico de outrora, parece pequeno e limitado. Eu fiz uma mudança de carreira que poucos ousam fazer depois de um certo tempo de estabilidade. Saí completamente da área de Tecnologia para me dedicar mais à compreensão e ensino destas técnicas e práticas de gestão de negócios, principalmente planos de negócio.

É esta possibilidade de abrir a mente de quem eu ajudo a escrever seu primeiro plano de negócios que me dá tanta satisfação, principalmente entre aqueles que não são administradores por formação

Lembra-se do primeiro filme da trilogia Matrix? Uma cena do filme retrata uma versão modernizada da alegoria da caverna de Platão, a prisão na qual estamos encerrados psiquicamente. No primeiro encontro entre Neo e Morpheu, Neo descobre que o mundo que ele até então julgava conhecer não era mais do que um programa de computador. Morpheu lhe dá a oportunidade de ir mais a fundo na descoberta da verdadeira realidade, por mais difícil que fosse aceitá-la, engolindo uma pílula vermelha. Mas Morpheu lhe concede também a opção de se recolher ao conforto e segurança de seu mundo antigo e esquecer tudo o que lhe foi dito, engolindo a pílula azul. Neo toma a corajosa decisão de engolir a pílula vermelha e o resto é o film

Na árdua jornada de escrever um plano de negócios, muitos de meus alunos e clientes gostariam de voltar atrás e engolir a pílula azul. Muitos de fato, acabam desistindo e se consideram incapazes de enfrentar este desafio. Os que passam por isso, por outro lado, não têm mais acesso ao caminho de volta. Como dizia Einstein, uma mente que se abre jamais volta ao seu estado original.


Marcos Hashimoto

Marcos Hashimoto Gestão de Negócios

Mestre em Administração pela EAESP/FGV, sócio-diretor da Lebre Consulting, Professor e Pesquisador da Business School São Paulo, Coordenador da Pós Graduação em Empreendedorismo no Uirapuru Superior, membro do Centro de Empreendedorismo da EAESP/FGV, colunista da Você S/A, foi executivo no Citibank e na Cargill Agrícola. É um dos autores do software de Plano de Negócios SP Plan da parceria Sebrae-SP/Fiesp, parceiro do Instituto Chiavenato, Instituto Empreender Endeavor e Instituto Brasileiro de Intra-Empreendedorismo.

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