Artigos

Segunda-feira, 16 de junho de 2008

A “nova CPMF”

A Emenda 29 trouxe de volta a discussão envolvendo a tributação sobre a movimentação financeira. O projeto destina mais recursos para a área da saúde e a instituição da Contribuição Social para a Saúde (CSS), chamada de “nova CPMF”, poderia gerar uma receita anual de cerca de R$ 10 bilhões para o setor.

A proposta causa indignação porque mais uma vez o poder público opta por jogar mais carga tributária sobre os ombros do sofrido contribuinte brasileiro. Isto ocorre num momento em que o governo anuncia um superávit nominal em suas contas de quase R$ 7 bilhões nos quatro primeiros meses deste ano e também porque o mesmo Congresso, que demagogicamente acabou com a CPMF meses atrás, agora quer recriá-la.

É lamentável que o contribuinte brasileiro tenha que arcar com mais aumento na carga tributária. Antes de criar mais um imposto seria mais decente que o Congresso, o governo e as entidades da área da saúde debatessem aspectos como a atual destinação das verbas para o setor. O desperdício com a má gestão dos recursos e com a corrupção são questões recorrentes na saúde pública brasileira. Só o caso das fraudes praticadas pelo famoso esquema dos sanguessugas, por exemplo, desviou cerca de R$ 110 milhões das dotações que eram destinados à compra de ambulâncias.

Independentemente das questões relacionadas aos recursos para a saúde, um aspecto que precisa ser colocado na criação da CSS é a volta dos argumentos dos críticos da tributação sobre a movimentação financeira. É bem provável que eles não estivessem se manifestando de forma tão intensa caso fosse proposto o aumento da alíquota de qualquer outro imposto. Muitos criticam a contribuição proposta porque estão presos a mitos tributários, como o da cumulatividade, ou porque a base desse imposto dificulta a sonegação, se constituindo num importante instrumento de apuração de fraudes para o fisco.

Segundo os críticos, impostos cumulativos são ruins e a alternativa é a tributação sobre o valor agregado. Porém, as recentes teorias da tributação ótima, juntamente com postulados da teoria do second best, de safra mais antiga, já deveriam ter convencido os economistas de que nada se pode concluir a priori. Um tributo cumulativo com alíquota baixa pode ser melhor, do ponto de vista alocativo, que um imposto sobre valor agregado com alíquota alta.

Além do mito da cumulatividade, um tributo como a CPMF envolve muitos interesses inconfessáveis. Os sonegadores, por exemplo, temem esse tributo porque ele é utilizado para apurar indícios de fraudes envolvendo o Imposto de Renda. Por isso, eles são ardorosamente contra impostos sobre a movimentação financeira.

A
proposta da criação da CSS é descabida como um imposto a mais. Porém, sua técnica de arrecadação mostrou-se eficiente com a experiência da CPMF. A movimentação financeira, mesmo sendo cumulativa, é a única base de incidência capaz de reduzir a carga individual de impostos e combater de modo eficaz a sonegação. Seria mais prudente, e teria apoio popular, se o governo e o Congresso usassem o tributo como substituto de impostos de elevado custo e com grande potencial de fraudes.

Marcos Cintra

Marcos Cintra Opinião Econômica

58, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças de São Bernardo e autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

veja mais artigos deste colunista