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Terça-feira, 4 de novembro de 2008

Simplificação, sonegação e a reforma do governo

A partir de meados da década de 90, iniciou-se no mundo o que vem sendo chamado de “flat-tax revolution”. Vários países do Leste da Europa vêm implementando significativas mudanças em seus sistemas tributários. A unificação de impostos foi adotada em 1994 pela Estônia, que criou uma alíquota de 26% sobre a renda para substituir quatro tributos. Em seguida, Lituânia, Letônia, Rússia, Sérvia, Ucrânia, Eslováquia, Geórgia e Romênia seguiram a mesma diretriz.
A simplificação tributária do Leste da Europa é um exemplo que vem despertando interesse em todo o mundo. Conduzir a simplificação à sua conseqüência lógica, unificando impostos em uma única base real, exigiria identificar uma base ampla para permitir alíquotas marginais módicas para evitar a evasão e a sonegação.
A partir dos anos oitenta tornou-se evidente que a base mais ampla possível é o fluxo monetário. No Brasil, com a ampla e sofisticada informatização do sistema bancário e a predominância da moeda escritural sobre a moeda manual, é fácil concluir que a base não-declaratória da movimentação financeira seria a mais adequada para implantar um sistema simplificado, barato e imune à clandestinidade econômica. Uma autêntica reforma tributária deveria juntar a ousadia simplificadora das experiências do Leste europeu com a eficiência técnica do modelo da extinta CPMF brasileira. No entanto, a tendência predominante é a adoção de bases tradicionais como a renda, o lucro e o valor agregado.
O governo brasileiro também aderiu a onda simplificadora, mas manteve-se preso à ótica conservadora ao optar pela unificação de impostos sobre bases declaratórias: a CSLL e o IRPJ seriam unificados e cobrados sobre a renda das empresas e o PIS/Cofins, a CIDE e o Salário-Educação seriam extintos para ser criado um IVA federal.
A PEC 233/08, que o governo afirma que será votada este ano, simplifica um pouco o sistema, mas não resolve o crítico problema da evasão tributária porque seria aplicada uma alíquota elevada sobre uma base declaratória. Para se ter uma idéia no caso do IVA federal, sua alíquota somada a do ICMS exigiria uma cobrança de cerca de 22% sobre o valor agregado. É evidente que, como a evasão varia na proporção direta da alíquota nominal do imposto, surgirá um grande estimulo à sonegação, o que irá agravar as mazelas do sistema tributário atual.
 No Brasil, o padrão de incidência tributária é caótico, imprevisível, devastador, a ponto de poder fazer quebrar uma empresa eficiente que paga impostos, e de fazer sobreviver uma ineficiente, que sonega e saqueia seus concorrentes. A extinta CPMF era a única espécie tributária capaz de neutralizar essa anomalia. Em geral, o custo da evasão acaba superando a própria economia tributária. Essa é a vantagem de um imposto não-declaratório, que por ser insonegável permite alíquotas baixas, porém universais.
Infelizmente, o Brasil vai passar mais um ano sem promover uma reforma tributária que efetivamente racionalize sua caótica estrutura de impostos. A PEC 233/08 acerta ao propor a simplificação, mas erra ao manter um sistema de base declaratória porque a sonegação continuaria sendo estimulada e o assalariado permaneceria arcando com um ônus elevado para compensar essa situação.

Marcos Cintra

Marcos Cintra Opinião Econômica

58, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças de São Bernardo e autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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