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Sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

“Penhora on-line”: quem paga a conta?

A criação do sistema “penhora on-line” foi tido como um enorme avanço junto ao Poder Judiciário, vez que, tem a finalidade de agilizar o recebimento de valores por parte do credor no processo judicial, contudo, desde a sua criação, um enorme e sério problema ocorre diariamente, sem que os criadores do sistema o corrijam.
O sistema jurídico brasileiro veda a utilização da “justiça com as próprias mãos” (salvo raríssimas exceções), onde, por exemplo, a pessoa que recebe como pagamento um cheque, que após ser depositado, retorna às suas mãos por insuficiência de fundos, não tem o poder de exigir forçadamente o pagamento. Se algum tipo de força ou coação for empregada pelo credor, este poderá ser responsabilizado criminalmente. Assim, para que o credor possa receber o que tem direito, deverá utilizar-se do processo judicial, sendo o juiz da causa à pessoa que tem o poder de, não paga a dívida, determinar a penhora de bens de propriedade do devedor para o adimplemento da obrigação. A lei traz um rol de bens onde a penhora é possível, e outro, em sentido contrário, onde a providência não pode ocorrer, sendo dinheiro, o primeiro a ser penhorado.
Recentemente foram alteradas as regras pelas quais o processo de execução deve tramitar, tendo como um dos principais nortes, que o processo tenha seu andamento em favor do credor (exeqüente), visando o quanto mais rápido e da forma menos onerosa for à satisfação do crédito reclamado. Todavia, o legislador não revogou artigo de lei que afirma, por outro lado, que se o processo de execução puder ser promovido por mais de um meio, deverá ser utilizado aquele que for menos gravoso ao devedor. Cabe a quem julga (primeira instância ou tribunal) a sensibilidade de, por um lado não dificultar o recebimento daquilo que o credor faz jus, contudo, não prejudicar demasiadamente a situação do devedor.
Pois bem, sendo dinheiro o primeiro da lista de bens a serem penhorados, tinha o credor que solicitar ao juiz da causa o envio de um ofício ao BACEN, este que, por não ter o cadastro das instituições financeiras, remetia solicitação a todos os bancos do país, estes últimos que respondiam ao juiz acerca da existência da conta, para somente depois disso ordenar a penhora. Resultado: expedido o ofício ao BACEN, o devedor já sabia da intenção do credor, retirando todo o dinheiro que possuía depositado em banco.
Diante deste quadro, criou-se a “penhora on-line” (que por mais que se chame penhora, tecnicamente não é penhora, mas sim bloqueio), que funciona da seguinte forma: o credor/exeqüente solicita ao juiz a penhora de dinheiro, este que remete “on-line” solicitação ao BACEN para que proceda requerido bloqueio junto às contas que o devedor possua. Neste momento sérios prejuízos podem ser proporcionados ao devedor, senão vejamos.
Tomemos o seguinte exemplo: execução de R$ 20.000,00, onde, inerte o devedor, o credor solicita a “penhora on-line”, esta, ao ser realizado, poderá bloquear não somente R$ 20.000,00, pois pelo sistema em uso, bloqueia-se R$ 20.000,00 disponíveis em todas as contas que o devedor possua em todos os bancos. Caso o executado resguarde 10 contas, tendo R$ 25.000,00 em cada conta, ao invés de serem bloqueados somente os R$ 20.000,00, serão bloqueados R$ 200.000,00 (bloqueio da quantia devida em cada conta existente).
Seguindo no exemplo (lembrando que se a execução puder ser promovida de várias formas, que siga aquela menos gravosa ao executado), considerando ser a devedora pessoa jurídica, em dia de pagamento de seus funcionários, tendo saldo disponível (em todos os bancos) R$ 250.000,00 (R$ 25.000,00 em cada conta), sendo que para pagar seus funcionários terá que desembolsar R$ 200.000,00 (restando ainda saldo de R$ 50.000,00), se a “penhora on-line” ocorrer neste dia, não terá a empresa condições arcar com a folha de pagamento. Os prejuízos e conseqüências nefastas advindas deste fato é algo latente (paralisação da produção, carro de som, multas, etc.), REPITA-SE, MESMO TENDO DINHEIRO PARA SALDAR AMBAS AS OBRIGAÇÕES!
Vale ainda mencionar que o desbloqueio do excesso não é automático, podendo demorar alguns dias, semanas, ou ainda meses (requerimento de desbloqueio, entrega da petição em cartório, juntada ao processo e remessa dos autos ao juiz para enfim decidir pelo desbloqueio), potencializando, em certos casos, os prejuízos vivenciados pelo devedor. No caso em comento, inegavelmente que o prejuízo será “honrado” exclusivamente pelo devedor.
É claro que o sistema da “penhora on-line” caracteriza-se como um importante avanço tecnológico em favor da sociedade, todavia, não pode ultrapassar as fronteiras da Lei, tampouco proporcionar prejuízo para o inadimplente, sendo de extrema urgência sua revisão e adequação, pois não é pelo fato de ser inadimplente, que o devedor deve ser “crucificado em praça pública”.

Fábio Cenci

Fábio Cenci Direito do Consumidor

Advogado especialista em Direito Bancário, pós-graduando em Direito Processual Civil e sócio do escritório Cenci Advogados. CENCI ADVOGADOS Rua Cafelândia, 344, Vila Trujillo - Sorocaba/SP - Tel/fax: (15) 3233-6741 / 3231-1805. E-mail: fabiocenci@cenciadvogados.adv.br

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