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Quinta-feira, 30 de abril de 2009
Direito do consumidor: propaganda de boa e de má-fé.
Recentemente, ocupou lugar de destaque em todos os canais de comunicação, o fato de uma conhecida empresa ter, equivocadamente, anunciado a oferta de um computador (“notebook”) em valor muito aquém daquele praticado usualmente no mercado. A filial localizada no Município de Sorocaba, Estado de São Paulo, cumpriu a propaganda, vendendo todo o estoque disponível pelo preço anunciado, contudo, em outras filiais (conforme noticiário televisivo) os consumidores foram impedidos de adquirir o produto pelo preço anunciado. Resta a seguinte indagação: qual loja agiu de forma correta?
Inicialmente, de suma importância trazer a discussão uma das pilastras principais que sustenta a relação “fornecedor x consumidor”, qual seja, a boa fé (que deveria ser norte em toda e qualquer relação humana, comercial ou não). Importante sublinhar que a boa-fé é um princípio bilateral, ou seja, deve ser respeitado no sentido fornecedor-consumidor, e vice-versa. Semelhante situação está consagrada no Código Civil, ao dizer ser obrigação dos contratantes, o respeito a este princípio durante todo o transcurso do contrato.
O “Dicionário Aurélio – século XXI”, conceitua a boa-fé como “ausência de intenção dolosa”, senão, “sinceridade, lisura”.
Valendo-se do caso concreto em estudo, o anúncio vinculado previu a oferta de “notebook” por valor próximo à R$ 900,00 à vista, onde, logo abaixo, constava que se o valor fosse dividido em 12 parcelas, chegaria a pouco mais de R$ 2.000,00.
Pois bem, é de conhecimento público que um “notebook” “zero quilômetros” custa muito mais que R$ 900,00. E mais, o valor do pagamento parcelado, da mesma forma, dá grande indício de que algo errado ocorreu.
É bem verdade que a Lei que regulamenta a relação firmada entre consumidor e fornecedor é muita clara ao afirmar que, feita a proposta (exemplo: propaganda), vinculado está o fornecedor quanto ao seu cumprimento. O CDC prevê duas figuras de propaganda: i) enganosa; ii) abusiva. Enganosa é a propaganda onde o fornecedor falta com a verdade, como por exemplo, a oferta de veículo automotor que, de tão eficiente e rápido, é mais veloz que um avião movido à turbina. Já a segunda, é aquela que abusa de valores pessoais do consumidor, como por exemplo, sua superstição, ou ainda, que incite a violência, ou proporcione medo. Exemplo é a propaganda de produto alimentício com a finalidade de livrar o cidadão de todas as impurezas proporcionadas pelos pecados praticados, garantindo a ele um lugar no céu após sua morte.
Em ambos os casos, de forma clara, se faz ausente a figura da boa-fé (por lógica, a presença da má-fé), quer pela mentira no primeiro caso, quer pelo abuso de valores religiosos (incutidos na população brasileira) no segundo, sempre com o intuito, de incentivar o consumo, pois, sem estas informações, o consumidor provavelmente não irá adquirir o produto. Vale dizer que em ambos os casos, deverá o fornecedor ser responsabilizado, inclusive criminalmente.
Creio que no caso em estudo, estamos diante de uma situação diferente, qual seja, ausência de má-fé por conta do fornecedor, e de outro, o interesse do consumidor em auferir vantagem (injustificada) por conta do erro existente na publicidade.
Qual seria a vantagem auferida pelo fornecedor com tal propaganda? Pode-se classificar, aí sim como abusiva, propaganda de venda de “notebook” de uma determinada marca e modelo por um valor muito aquém daquele praticado no mercado (idêntico ao fato ocorrido), todavia, resguardando o comerciante apenas uma peça em estoque. Com a chegada dos consumidores, informa-se que o estoque se esgotou, contudo, outra, semelhante, pode ser adquirida, só que pelo preço normal de mercado (muito além da marca anunciada). Exemplos ocorrem corriqueiramente com gêneros alimentícios, quando o consumidor, ao dirigir-se ao estabelecimento comercial (mesmo que provocado por propaganda abusiva/enganosa), ao certo, pode se valer do local, e adquirir outros produtos, senão efetuar a tão conhecida “compra do mês”.
Que no caso em análise houve erro do fornecedor (por meio da empresa que confeccionou o folheto de propaganda) é ponto indiscutível, contudo, a meu ver, este não foi motivado pela má-fé, está, com um único intuito, trazer o consumidor até o estabelecimento comercial, e incentiva-lo a adquirir outros produtos, semelhante a uma “armadilha”.
Por outro lado, como já dito, é público e notório que um “notebook” novo, repita-se, não custa R$ 900,00. E mais, na própria propaganda existe um grande indício do erro, pois, como já dito, constava que o valor parcelado resultava em quase R$ 2.000,00 (somente instituições financeiras estão autorizadas a cobrar juros acima de 1% ao mês).
Caso semelhante ocorreu no Estado de Minas Gerais, onde uma rede de hipermercados cometeu erro semelhante, ao quantificar valor de eletrodoméstico muito aquém do usualmente praticado (equívoco na impressão do folheto informativo). Resultado: quilométricas filas na manhã seguinte em frente ao estabelecimento. O setor comercial do hipermercado entendeu por bem negar a venda, informando (inclusive junto à mídia) o erro ocorrido. Diante deste fato, uma associação que defende os interesses dos consumidores daquele Estado apresentou processo judicial no sentido de que todas as pessoas que estiveram naquele dia e local pudessem adquirir o produto pelo preço anunciado.
Tal processo foi julgado procedente pela primeira instância, sob o argumento de que a proposta (propaganda) vincula o proponente (fornecedor), contudo, por meio de recurso ao Tribunal de Justiça daquele Estado, a ação foi julgada improcedente, decisão esta alicerçada na necessária bilateralidade do princípio da boa-fé, visto que, inquestionável que o preço anunciado era muito aquém daquele usualmente praticado. E mais, sendo este fato de conhecimento público, os consumidores tinham plena consciência que estariam pagando muito menos, ou seja, estariam auferindo uma vantagem, no entendimento daquele Tribunal, injustificada.
No caso que ilustra estes rabiscos, claro que as pessoas que se deslocaram até o estabelecimento comercial tem o direito de, no mínimo, serem ressarcidas das despesas que tiveram (gasolina, pedágio, etc.), contudo, no meu entendimento (desde já antecipo o respeito aos entendimentos em contrário pois, é do debate que surgem novas idéias), por conta do erro escusável (ausência da figura da má-fé), não foi incorreta (valendo-me do princípio da boa-fé esculpida no CDC), a negativa de venda de citados computadores.
Fábio Cenci
Direito do Consumidor
Advogado especialista em Direito Bancário, pós-graduando em Direito Processual Civil e sócio do escritório Cenci Advogados.
CENCI ADVOGADOS
Rua Cafelândia, 344, Vila Trujillo - Sorocaba/SP - Tel/fax: (15) 3233-6741 / 3231-1805.
E-mail: fabiocenci@cenciadvogados.adv.br
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