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Sexta-feira, 29 de maio de 2009

Estímulo à sonegação

Alguns economistas, políticos, tributaristas e empresários acreditam que a cumulatividade é a fonte dos males do sistema tributário brasileiro. Por isso, eles defendem os impostos sobre o valor agregado (IVA) afirmando ser essa forma de cobrança neutra, justa e eficiente.
Primeiramente, vale ressaltar que a neutralidade não ocorre em nenhuma espécie de imposto. Tanto o IVA como os tributos cumulativos geram distorções nos preços relativos.
A alegação de que o IVA provoca menos distorção nos preços relativos pode ser verdadeira quando considera a hipótese de sonegação zero. Entretanto, a sonegação é um fenômeno disseminado na economia brasileira e a aplicação de um sistema de cobrança sobre o valor agregado, ao exigir uma alíquota absurdamente elevada, irá incentivá-la.
O valor agregado não representa uma base imponível ampla o suficiente para permitir uma alíquota baixa que desestimule a sonegação e a informalidade. Pelo contrário, a substituição do PIS, Cofins, Cide, Salário-Educação, parte do INSS patronal e ICMS, como pretende o governo através de seu projeto de reforma tributária (PEC 233/08), exigiria uma alíquota de 32%. Este patamar é quase 80% a mais que a alíquota do imposto mais sonegado no país, que é o ICMS.
A sonegação é um fenômeno que impõe vantagens competitivas determinantes para agentes produtivos que a praticam, originando um sistema injusto, com péssima incidência tributária, onde quem paga imposto tem que compensar pelos que sonegam. Essa situação cria um sistema onde uma empresa que investe em tecnologia para obter custos menores pode não ser competitiva frente à outra com custos mais elevados mas que obtém vantagens sonegando.
Ademais, a suposta vantagem do imposto sobre valor agregado em relação ao menor impacto sobre os preços relativos é baseada na aceitação de que os mercados são competitivos perfeitos. Sabe-se, contudo, que os mercados não satisfazem essa hipótese. Nessas condições torna-se impossível criar uma situação de ordenamento confiável de situações alternativas do mercado sem uma análise pontual e específica de cada cenário, o que não é feito quando se afirma que o IVA é mais eficiente que os tributos cumulativos.
A única base tributária capaz de enfrentar a sonegação é a movimentação financeira. Mesmo sendo cumulativo, um imposto único sobre ela, ao permitir a aplicação de uma alíquota reduzida sobre um sistema não-declaratório e automático, minimiza a sonegação, criando um sistema mais justo, e reduz os custos administrativos para os agentes públicos e privados.

Marcos Cintra

Marcos Cintra Opinião Econômica

58, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças de São Bernardo e autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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