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Sexta-feira, 3 de julho de 2009
Viagem marcada: e agora?
Todas as pessoas, ao assinarem um contrato, objetivam, além de obter alguma vantagem lícita (não contrária à lei), que aquilo que foi assinado seja religiosamente cumprido. Contudo, algum fator externo, que independa da vontade das partes, pode dar causa a alteração daquilo que foi contratado?
A grosso modo, desde que firmado por pessoas capazes (maiores que estejam no pleno gozo de suas faculdades mentais), não sendo ilícito o objeto (por exemplo, a contratação de um “matador de aluguel”), e que respeite as formalidades elencadas na norma, o contrato “faz lei entre as partes”. Trata-se da chamada “força vinculante dos contratos”, que obriga os contratantes ao cumprimento daquilo que foi pactuado.
Parte-se do pressuposto que foi garantida aos contratantes a liberdade para chegarem a um denominador comum, sem que um deles imponha, quer pela força, quer pelo poder econômico, senão tecnológico, condição desvantajosa, senão contrária à vontade do outro, Por exemplo, quando dois particulares contratam a venda e compra de um veículo, livremente discute-se o valor, condições de pagamento (se a vista ou parcelado), data de entrega, etc. Em suma, comprador e vendedor, após muita conversa, resolvem (de comum acordo) todos os termos do negócio. Diferente quando uma das partes engessa a liberalidade de contratar, por exemplo, na aquisição de plano de saúde, senão de empréstimo bancário.
O fornecedor informa previamente o consumidor os termos do contrato, cabendo a este aceitar ou não o que foi previamente estipulado, vedando, por conseguinte, o direito de alterar alguma cláusula. Será que o consumidor consegue reduzir, senão retirar do contrato de plano de saúde o período de carência? Ou ainda, determinar que sejam reduzidos os encargos advindos do inadimplemento no empréstimo? Tratar-se do chamado “contrato de adesão”, este que retira do consumidor a liberdade de discutir e negociar os termos do negócio a ser firmado. Resumidamente, ou aceita as normas impostas ou não negocia.
Nestes casos, visando salvaguardar os interesses do consumidor, em virtude da potencial possibilidade de assinar contrato contendo obrigações abusivas, o legislador permitiu a quebra da “força vinculante dos contratos”, com o intuito, dentre outros, de vedar a obtenção de vantagem indevida por parte do fornecedor. Vale dizer ainda que, tanto o Código de Defesa do Consumidor como o Código Civil, são claros ao dizer que, confusa, ambígua, senão ainda contraditória, as cláusulas contratuais serão interpretadas de forma mais favorável ao consumidor/aderente.
Ainda, a “força vinculante dos contratos” também pode ser superada quando algum fator externo, que independa da vontade, senão da intervenção das partes, vir a influenciar na relação contratual, podendo onerar excessivamente, senão prejudicar algum dos contratantes.
Pode-se elencar como exemplo, a grande desvalorização do real em detrimento do dólar ocorrido no início de 1999, que refletiu de forma nefasta em todos os contratos de leasing firmados. O consumidor dormiu devendo parcelas de R$ 1.000,00 e a acordou devendo parcelas de R$ 2.000,00.
A desvalorização da moeda se deu por culpa das partes? Poderiam elas, especialmente a instituição financeira, impedir citada desvalorização? Claro que não, pois se trata de fator que suplantou a vontade e a intervenção das partes, todavia, alterou sensivelmente o contrato, especialmente no que diz respeito ao valor da dívida, onerando demasiadamente um dos contratantes.
Atualmente, questão notória, e que frequenta diariamente todos os meios de comunicação, diz respeito à gripe suína. Recentemente o Governo Federal orientou à população que evite visitar a Argentina e o Chile (países que recebem muitos turistas brasileiros). Pois bem, imaginemos a seguinte situação: consumidor que já contratou (tendo pago quer a totalidade, senão parte do valor) com agência de turismo viagem para o Chile ou Argentina, contudo, como deverá proceder com a questão da gripe suína? Deverá assumir o risco de cumprir com o contratado, podendo sofrer sério prejuízo (risco da infecção)? O deverá ser responsabilizado, sendo penalizado com o pagamento de multa rescisória?
A existência da gripe suína é fato em que, tanto a agência de turismo, como o consumidor, tiveram participação em sua ocorrência? A situação existente, quando do fechamento do contrato, permanece inalterada?
A meu ver, estamos diante de um fator externo, independente da intervenção dos contratantes, que alterou a situação de fato quando do fechamento do negócio. E mais, na época, seria fator predominante para a efetivação do contrato.
Além isso, diz o CDC que diz que os produtos e os serviços disponibilizados no mercado devem respeitar, dentre outras coisas, a saúde e a segurança do consumidor. Será que obrigar o consumidor a cumprir o contrato de turismo no caso em questão, não pode colocar em jogo sua saúde?
Diante do discutido, é direito do consumidor, por conta deste fato imprevisível, solicitar (sempre por escrito), a alteração da data da viagem (até que a situação se estabilize naqueles países), ou a alteração do destino (arcando o consumidor com a diferença de preço, pois o fornecedor não teve culpa no fato), ou ainda, solicitar o desfazimento do negócio, não podendo ser imposto a ele qualquer penalidade, visto que não teve culpa ou participação no fato que deu causa a impossibilidade de viajar.
Fábio Cenci
Direito do Consumidor
Advogado especialista em Direito Bancário, pós-graduando em Direito Processual Civil e sócio do escritório Cenci Advogados.
CENCI ADVOGADOS
Rua Cafelândia, 344, Vila Trujillo - Sorocaba/SP - Tel/fax: (15) 3233-6741 / 3231-1805.
E-mail: fabiocenci@cenciadvogados.adv.br
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