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Segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Cinema com pipoca e a “venda casada”

Dando origem ao famoso comercial de televisão “pipoca é guaraná”, a combinação “cinema e pipoca”, é algo que faz parte da rotina de qualquer cidadão que aprecie frequentar as salas de exibição, na maioria delas, existentes emshopping centers. Contudo, esta “parceria”, em certos casos, pode trazer sérios aborrecimentos ao consumidor, sem prejuízo, na ofensa à legislação que regula a relação firmada entre fornecedor e consumidor.
O CDC elenca condutas que, praticadas pelos fornecedores de produtos e serviços, serão consideradas abusivas, dando direito ao consumidor de requisitar sua adequação, inclusive judicialmente, sem prejuízo ainda de, se dá conduta abusiva restar alguma espécie de dano (de ordem material ou moral), por meio de processo judicial, pleitear necessária indenização.
Várias são as práticas abusivas previstas na lei. Ouso elencar algumas: i) venda casada (condicionar a venda de um produto ou serviço, desde que o consumidor adquira outro, mesmo que sem vontade ou necessidade, exemplo: para conseguir contratar empréstimo para aquisição da casa própria, o consumidor deve contratar plano de previdência, senão abrir conta-corrente, ou ainda contratar seguro de vida); ii) enviar produto sem que o consumidor o tenha solicitado (envio de cartão de crédito pelos correios sem prévio pedido); iii) realização de algum serviço sem anterior orçamento, ou sem que o consumidor o tenha autorizado; iv) deixar de prever data de início e término da prestação do serviço contratado; v) venda de produto com tecnologia muito além daquela que o consumidor necessite, valendo-se de sua ignorância técnica (pessoa procura loja de informática para adquirir computador para escrever e acessar a internet,, contudo, lhe é “enfiado goela abaixo” máquina de última geração, comportando tecnologia muito além da efetiva necessidade do consumidor).
Pois bem, mas o que isso tem a ver com a tradicional combinação cinema com pipoca?
Quem já teve a intenção de, ao invés de assistir o filme que está em cartaz consumindo pipoca, faze-lo com qualquer outro gênero alimentício comercializado por outro estabelecimento comercial, diferente dos vendidos pela proprietária das salas de exibição (batata-frita, sanduíche, etc.)? Se tentou, ao certo teve sua entrada barrada pelo bilheteiro, vez que, o consumidor, na maioria destes estabelecimentos, só pode consumir os gêneros alimentícios comercializados pelo próprio cinema em sua bombonier.
Tal vedação, na maioria das vezes, se alicerça na necessidade de manutenção da limpeza na sala de cinema visto que, em alguns casos, outros alimentos (que não aqueles vendidos dentro do estabelecimento), podem comprometer a higiene da sala. Certo é que, caso o consumidor intente degustar uma bela macarronada ao sugo durante a exibição do filme, tanto a limpeza da sala de exibição, como de outros consumidores, estarão comprometidas.
Mas e se o consumidor quiser assistir o filme consumindo batatas-fritas, senão sanduíche vendido por outro estabelecimento comercial? Pode a empresa negar o acesso à sala? Pode ser permitido somente o consumo de produtos comercializados pelo próprio cinema?
Recentemente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou empresa de cinema alocada na Capital deste Estado (julgamento ocorrido aos 04 de novembro de 2008) em danos morais, por ter, num primeiro momento, vedado o acesso de consumidores à sala de cinema portando produtos alimentícios não comercializados por ela. Impedidos, aqueles consumidores prometeram que não iriam consumi-lo, tendo assim permitido o acesso (já haviam pago o valor da entrada). Contudo, pouco tempo após o início da exibição, foram surpreendidos por seguranças, que de forma “extremamente delicada” os retiram da sala.
Diante do ocorrido, os consumidores procuraram o Poder Judiciário Paulista, que reconheceu ser prática abusiva a vedação do consumo de qualquer produto alimentício dentro das salas de cinema, com exceção daqueles comercializados pela própria empresa proprietária do estabelecimento cinematográfico. Quando do julgamento, a Corte Estadual fez menção a um julgamento ocorrido junto ao STJ: “Na hipótese, a prática abusiva revela-se patente se a empresa cinematográfica permite a entrada de produtos adquiridos na suas dependências e interdita o adquirido alhures, engendrando por via oblíqua a cognominada 'venda casada', interdição inextensível ao estabelecimento cuja venda de produtos alimentícios constituiu a essência da sua atividade comercial como, verbi gratia , os bares e restaurantes. (STJ - 1a Turma, REsp 744602/RJ, rel. Min. Luiz Fux. j. 01/03/2007. dj .22/03/2007)"
 
Desta decisão, surge um questionamento: e a “cobrança de rolha” (valor exigido do cliente, que leva consigo vinho de sua preferência ao restaurante) também deve ser encarada como prática abusiva?
 
Não, e por uma questão muito simples.
 
No primeiro caso, a atividade principal da empresa cinematográfica é a exibição de filmes, e a venda de guloseimas é acessória a ela. A ausência da venda alimentos não descaracteriza a atividade principal (exibição de filmes). No segundo caso, é atividade principal do restaurante a venda de comida e bebida, pois sem ela, a empresa estará descaracterizada, podendo assim, senão exigir que os produtos que serão ali consumidos sejam por ela fornecidos, cobrar a “rolha”. Da mesma forma, será considerada prática abusiva que algum restaurante somente autorize a leitura de jornais por ele comercializados em seu estabelecimento. Os adquiridos por seus clientes em outros locais não podem ser lidos nas dependências do restaurante.
 
Infelizmente a vedação de acesso às salas de cinema com outros gêneros alimentícios (não comercializados pela própria empresa proprietária das salas) já é reconhecida pelos Tribunais como prática abusiva, contudo, esta conduta continua sendo aplicada no dia-a-dia, justamente pelo fato dos consumidores desconhecerem seus efetivos direitos, e quando alguém exige o cumprimento da lei, se opondo à ilegal restrição, é taxado  como chato, inconveniente, intransigente...

Fábio Cenci

Fábio Cenci Direito do Consumidor

Advogado especialista em Direito Bancário, pós-graduando em Direito Processual Civil e sócio do escritório Cenci Advogados. CENCI ADVOGADOS Rua Cafelândia, 344, Vila Trujillo - Sorocaba/SP - Tel/fax: (15) 3233-6741 / 3231-1805. E-mail: fabiocenci@cenciadvogados.adv.br

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