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Quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Remédios e venenos

A nova tributação sobre a entrada de capitais -IOF de 2%- joga areia nas engrenagens econômicas que tornaram o Brasil atraente para investidores externos. A medida, adotada para reduzir a entrada de investimentos de curto prazo, é um furo no dique formado pela combinação de metas de inflação com câmbio flutuante, que serviu como âncora anti-inflacionária e garantia de estabilidade e resistência a crises externas.
Alardeia-se que capitais de curto prazo não contribuem para o esforço produtivo de uma economia, que eles só sugam rendimentos financeiros "especulativos" e que causam injustificada valorização cambial. É um erro, pois eles cumprem a importante função de absorver riscos e de servir de contraparte em operações de hedge. Ao diluir riscos, esses recursos contribuem positivamente para a produção e para um planejamento mais eficiente.
Mesmo que sejam voláteis, ao longo do tempo eles formam um estoque crescente de capitais que financiam atividades econômicas internas. A qualquer momento haverá um saldo positivo de capitais de curto prazo estacionados no país. Com a nova tributação, parte deles deixará de entrar. A pressão pela valorização cambial poderá ser temporariamente abrandada. Mas há uma contra indicação: o estoque de capital permanente será reduzido.
A redução do volume de capital permanente poderá ocasionar a perda de investimentos e a desaceleração do crescimento do PIB. Isso, por sua vez, atuará em sentido contrário aos efeitos expansionistas sobre a produção interna que se espera obter com os controles cambiais. Para cada ação há uma reação.
Há outras vertentes a serem notadas. Se a tentativa de controlar a taxa de câmbio por meio da tributação der certo, a pressão inflacionária aumentará. Isso poderá resultar em menor queda ou até em elevação dos juros internos. Novamente, se a justificativa da tributação sobre capitais externos for a de estimular a produção doméstica pela via da desvalorização cambial, ela será neutralizada pelas implicações de suas conseqüências. É difícil prever qual será o saldo final.
E é bom lembrar que a administração cambial não pode conviver com a atual política de metas de inflação. Mas, há alternativas para corrigir a valorização do real.
Uma delas seria estimular a manutenção no exterior de divisas geradas pelos exportadores, compensando-os, se necessário, pelo diferencial de juros por meio de um fundo lastreado por alguma imposição geral.
Tal medida evitaria a internação de divisas e, portanto, aliviaria as pressões pela valorização cambial, mas sem desestimular o ingresso de investimentos externos.
Outra alternativa seria conceder urgência à reforma tributária, eliminar os créditos de ICMS acumulados nas exportações, aperfeiçoar os mecanismos de desoneração de impostos e oferecer créditos e estímulos à busca de maior eficiência interna. Os custos de tais medidas poderiam ser cobertos por maior austeridade fiscal, considerada hoje uma necessidade inadiável para aumentar a poupança interna.
Enfim, o problema existe. Mas é preciso cautela para que os remédios não se transformem em venenos.

Marcos Cintra

Marcos Cintra Opinião Econômica

58, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças de São Bernardo e autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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