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Quinta-feira, 29 de abril de 2010

Viagem marcada: e agora? II

Há pouco tempo atrás, em virtude do surto da “gripe suína” (vírus influenza H1N1), ousei rascunhar algumas palavras acerca dos direitos do consumidor que, com o pacote de viagem comprado, não mais queria deslocar-se aos países onde o surto desta doença havia atingido maiores proporções, por receio de contrair a doença (foram publicados neste importante espaço). Ocorre que situações semelhantes se apresentam, contudo, proporcionadas por eventos da natureza: i) terremoto que atingiu o Chile; ii) vulcão que “fechou” o espaço aéreo europeu. A situação é a mesma, se comparada com o surto da “gripe suína”?
                                              Dependendo da situação sim, dependendo da situação não.
                                              No que diz respeito à afirmação positiva, caso o consumidor já tenha adquirido, quer o pacote de viagem integral (passagens aéreas, hospedagem, passeios, etc.), ou somente as passagens aéreas, mas não pode viajar para o Chile por conta do terremoto, ou mesmo não tenha conseguido embarcar para a Europa na data previamente estabelecida, tendo em vista a erupção do vulcão na Islândia, tem o direito de escolher a alteração de data (caso tenha disponibilidade de realizar a viagem), contudo sem qualquer acréscimo. Vale salientar que o aumento no valor somente poderá ocorrer caso alguma alteração se dê a pedido do consumidor (elevação na categoria do hotel, de classe na aeronave, inclusão de algum passeio, etc.), ou ainda de destino (por exemplo do Chile para Itália, este, incomparavelmente mais custoso, sem comparado ao país sul-americano).
                                              Em semelhante situação encontra-se o consumidor que adquiriu algum curso, todavia, o perdeu pelos infortúnios acima identificados. Caso exista a possibilidade de realizá-lo em outra data, poderá fazê-lo sem qualquer adicional.
                                              Agora, se por qualquer situação o consumidor não mais queria/possa viajar, é seu direito receber a integralidade dos valores pagos (com o devido reajuste) sem que lhe seja cobrada qualquer taxa/multa, justamente por não ter sido ele o causador dos problemas que impediram o cumprimento do contrato. Importante frisar que os produtos/serviços a serem recebidos/cumpridos no exterior (estadia em hotel, aluguel de veículo, passeios, curso, etc.), mas que tenham sido adquiridos através de pessoa jurídica no Brasil (por exemplo por intermédio de agência de viagem), devem ser ressarcidos pela empresa brasileira, vez ser esta responsável solidária pela devolução do dinheiro, que, após o ressarcimento ao consumidor, poderá pleitear junto à empresa estrangeira a indenização de tal numerário.
                                              Por outro lado, e as pessoas que tenham permanecido por longas horas, senão dias, nos aeroportos em razão do fechamento do espaço aéreo europeu? Terão o direito a, enquanto não embarcada em aeronave, estadia, transporte e alimentação sob responsabilidade da empresa aérea?
                                              A meu ver, neste caso específico, entendo que não.
                                              O fechamento de espaço aéreo em razão da erupção de vulcão na Islândia, é completamente diferente do atraso da saída de uma aeronave por problemas técnicos, ou ainda, pelo inaceitável, mas ainda existente “overbooking”, ou ainda, por situações climáticas desfavoráveis (neblina, chuva, etc.).
                                              Todos os problemas acima arrolados, com exceção da erupção de um vulcão, senão corriqueiros, podem se previstos com antecedência, podendo, inclusive, serem contornados, senão evitados (venda de passagem dentro do limite de assentos da aeronave, previsão do tempo, manutenção adequada, existência de aeronave de reserva, etc.), razão pela qual, a ocorrência de atraso por longo período, garante do consumidor atendimento a ser proporcionado pela companhia aérea, e dependendo da situação, pagamento de indenização (por danos materiais e morais, dependendo do caso).
                                              Agora, em relação ao atraso de horas, senão de dias, de vôo em razão da erupção do vulcão, caracteriza-se como situação excepcionalíssima, e por conta desta excepcionalidade, retira a obrigação da empresa aérea em responsabilizar-se pela estadia, transporte e alimentação, etc., dos passageiros (salvo exista contrato de seguro para estas situações, senão ainda, pelo voluntário oferecimento de tais benesses por parte da fornecedora). Ambas as partes envolvidas no contrato de consumo (consumidor/passageiro e fornecedor/empresa aérea), foram atingidos pela situação excepcional, pois, se de um lado o consumidor está impossibilitado de retornar ao seu país de origem, da mesma forma, a empresa aérea está impedida de operar regularmente (arcando com sérios prejuízos).
                                              As relações de consumo se alicerçam (ou deveriam se alicerçar) no princípio da boa-fé, sendo vedado ao fornecedor, em razão de sua superioridade (financeira ou tecnológica), obter vantagem indevida do consumidor, sob pena de ter quer arcar com danos ou prejuízos sofridos pelo consumidor. Assim, no caso do atraso no embarque por culpa do vulcão em erupção na Islândia, as empresas aéreas não devem ser responsabilizadas pelos custos de estadia, alimentação e transporte do consumidor “preso” em algum aeroporto do mundo.
Fábio Cenci, advogado, sócio do escritório Cenci Advogados, pós-graduado em direito processual civil, Vice-presidente da 24ª. Subseção OAB/SP (Sorocaba): fabiocenci@cenciadvogados.adv.br
 

Fábio Cenci

Fábio Cenci Direito do Consumidor

Advogado especialista em Direito Bancário, pós-graduando em Direito Processual Civil e sócio do escritório Cenci Advogados. CENCI ADVOGADOS Rua Cafelândia, 344, Vila Trujillo - Sorocaba/SP - Tel/fax: (15) 3233-6741 / 3231-1805. E-mail: fabiocenci@cenciadvogados.adv.br

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