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Líderes Empreendedores pregam no deserto
Esta semana fui almoçar com Luis, um antigo amigo que eu não via há algum tempo e que trabalha em uma grande multinacional americana. Ele é diretor de uma unidade de negócios internacional e lidera uma equipe de 36 pessoas, algumas delas sediadas em países latino-americanos. Depois das amenidades sobre a vida, família, futebol e trânsito, ao tocar no tema carreira, ele puxou o seguinte diálogo (na verdade, quase um monólogo de desabafo):
“Eu estou aqui pedindo uma ajuda sua. Um conselho. Estou cada vez mais frustrado com o meu trabalho. Tenho recebido uma série de indicações de que não sou um bom gestor e não sei bem o que fazer, pois tem muita coisa que eu não sei como lidar. Deixe-me citar um exemplo:
Um dos nossos trabalhos é estabelecer parcerias com alguns clientes para estreitar o relacionamento e alavancar novos acordos comerciais. Um destes clientes me propôs o uso do expertise de alguns funcionários da minha equipe para fazer a avaliação de propostas de crédito para financiamento de operações de comércio exterior. Achei a idéia interessante, principalmente porque era uma das maiores tradings agrícolas do país e um cliente chave para nós. Embora esta união de forças fizesse todo o sentido pela complementaridade de competências, tratava-se de uma proposta inovadora, ninguém nunca tinha feito nada parecido. Pelo volume de trabalho, achei por bem consultar minha equipe para ver a receptividade deles ao projeto. Eles simplesmente não toparam porque eu não soube responder quase nenhuma pergunta que eles fizeram: Quantos projetos seriam avaliados? Qual o prazo para retornar cada avaliação? Qual o tamanho de cada proposta? O que deveria ser avaliado em cada caso? Que tipo de relatório eles esperavam em cada avaliação? Qual o grau de complexidade de cada projeto?...”
Nem deixei Luis acabar de falar. Já havia entendido muito bem onde ele queria chegar. Um detalhe contextual importante nesta história é que Luis teve um negócio próprio por cinco anos e, por motivos pessoais, teve que se desfazer do negócio e optou por voltar ao mercado de trabalho quando foi convidado para assumir esta posição na atual empresa. Ao longo destes cinco anos, tive a satisfação de vê-lo não só ser bem sucedido como empresário, mas principalmente se transformar em um verdadeiro empreendedor.
Luis não é um mal gestor como se considera. Ele simplesmente aprendeu algumas coisas importantes como empreendedor que agora conflitam com o seu papel de gestor em uma grande corporação. Esta situação relatada por Luis evidencia as diferenças de estilo de gestão entre o executivo de carreira e o empreendedor. Luis voltou a ser um executivo, mas dificilmente deixará de ser um empreendedor agora e os dois estilos de gestão estão em conflito dentro dele.
Não precisamos ter todas as respostas no início de um projeto, principalmente se este tiver natureza inovadora. Precisamos ter a sensibilidade de acreditar que vai ser uma coisa boa, ou não, em função das poucas informações que temos. Um projeto inovador nunca vai trazer todas as respostas antes de começar. Mas começar significa assumir compromissos que podem não ser atendidos. Como resolver este dilema? Devemos recusar oportunidades que, apesar de parecerem boas, carregam alto grau de incerteza? Não seria possível falar: ‘A idéia parece interessante, podemos avançar mais, fazer um piloto, realizar alguns testes, antes de dar uma resposta definitiva?’ A incerteza é algo sempre indesejado porque leva ao aumento potencial dos riscos. Aprendemos sempre que os riscos devem ser eliminados ou minimizados o quanto possível. Acontece que empreendedores reduzem riscos na medida em que a percepção dos benefícios torna a equação aceitável, enquanto administradores reduzem riscos sem olhar o potencial da oportunidade, por isso sua tolerância ao risco é bem menor. Isso acontece porque o empreendedor presta contas apenas a si mesmo, goza de mais autonomia, enquanto o administrador presta contas a uma organização mais complexa em que ele está inserido, que, via de regra, tem pouca tolerância a erros. Não há, na maioria das situações, grandes problemas em assumir que algumas incertezas vão ser resolvidas durante a execução do processo, desde que o risco seja administrado. Neste caso em particular, Luis havia sugerido um projeto piloto, de pequeno porte, em situação controlada, para reduzir riscos. Testes com os primeiros projetos dos clientes vão trazer as informações iniciais de como o processo completo pode se desenrolar, mas para isso, é preciso ter a coragem de começar algo, ainda que em pequena escala.
O tempo que Luis passou empreendendo lhe deu condições para desenvolver habilidades e competências que as organizações precisam e valorizam. É cada vez maior o número de anúncios de emprego que pedem ‘perfil empreendedor’ aos postulantes às vagas oferecidas. Este perfil empreendedor, entretanto, não é compatível com a realidade das organizações. Os valores existentes e defendidos nos ambientes organizacionais são freqüentemente contraditórios às características empreendedoras tão desejadas. Por estas incompatibilidades é que vemos pessoas como Luis, com perfil empreendedor, sentindo-se cada vez mais frustrados com os modelos de gestão em voga nas organizações. Modelos que dificultam o surgimento de uma cultura voltada à inovação, que valorizam processos e não idéias, que privilegiam a manutenção ao invés da mudança, que procuram a ordem e a segurança em detrimento do diferente e do risco.
Neste sentido, aceitar que a realidade é ambígua, que os contextos são carregados de incerteza, que as circunstâncias são mutáveis, que os processos devem ser maleáveis e flexíveis, que os padrões podem engessar e paralisar e que os controles podem limitar o pensamento criativo, representam condições básicas que permeiam cada indivíduo da organização. O problema é que aceitar estas condições não está dentro da capacidade das pessoas de entender as relações com a formação de uma cultura voltada à inovação. As situações descritas por Luis são corriqueiras, qualquer um vivencia no dia-a-dia. Elas são tantas e tão recorrentes que é natural que pessoas como Luis se sintam sozinhas, isoladas, discriminadas e rejeitadas pela sociedade corporativa. Elas não se ‘encaixam’ na estrutura social. Seu discurso é incompatível com o que se defende em todos os níveis da organização. Luis se sente como um pregador no deserto, que defende estas idéias perante o vento e ninguém o ouve, ninguém o aceita. Se ele insiste é porque acredita em suas idéias, acredita que pode fazer a diferença, sabe que o empreendedorismo é o caminho para efetivar a inovação como caminho para a competitividade. Muitos, no entanto, se cansam de ‘dar murro em ponta de faca’ e desistem de tentar quebrar o invólucro no qual as pessoas estão encerradas, o que é justo, pois o invólucro da certeza, da segurança sempre será visto como preferível à desordem, a bagunça e o caos, indesejáveis em uma grande empresa. Neste ponto, eu só pude sugerir uma coisa a Luis: Você deve tomar a decisão de continuar com esta luta inglória que pode até te queimar dentro da organização ou desistir e cair fora. Só que cair fora significa também voltar a empreender com seu negócio próprio, pois você não vai encontrar seu espaço em nenhuma outra empresa. Como dizia Einstein, uma mente que se abre jamais volta à sua condição original. Luis despertou como empreendedor e o mundo corporativo agora se tornou muito menor do que ele percebia antes. Pequeno demais para ele agora.
Marcos Hashimoto
Gestão de Negócios
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