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Segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Como destruir um sonho
Uma amiga da família tem uma escola infantil, uma das mais respeitadas da cidade. Embora o nome seja carregado de tradição, a empreendedora é o tipo de pessoa que busca se renovar sempre, trazendo sempre novidades na área de educação infantil, sobretudo com materiais e técnicas inovadoras que ela aprende nos diversos cursos que faz, inclusive no exterior.
Seu método de ensino, além de dinâmico e inovador, traz uma proposta de valor de formação integrada e centrada no aluno que os pais aprenderam a valorizar e incentivar cada vez mais. Um diferencial que nenhuma outra escola conseguiu implantar, nem as de maior porte. Diante desta característica, os pais ficam frustrados por terem que mudar o filho de escola quando encerram o ensino infantil – a escola não oferece o ensino fundamental nem médio. O problema é que a escola abrange apenas a educação infantil. O ensino fundamental nunca foi implantado porque Luiza, a empreendedora, nunca havia se sentido segura o suficiente para a empreitada.
Hoje, com a proposta de valor do método bem definido e ressaltado pela clientela como grande diferencial de valor, servia como grande estímulo, sobretudo ao se considerar que todas as principais escolas da cidade adotavam uma metodologia de ensino apostilado, indo contra a linha filosófica da escola da Luzia. Assim, ela resolveu iniciar os estudos de viabilidade da empreitada, levantou dados, falou com pessoas e fez pesquisa de mercado sobre os concorrentes. Depois de estudar bastante o mercado, ela foi falar com o contador dela, com quem sempre conversa sobre negócios, na esperança de conseguir apoio e incentivo para sua idéia. Veja um resumo do que ele disse:
“Você quer abrir o ensino fundamental? Sim, é uma boa oportunidade aproveitar este imóvel que está vago do lado a sua escola. Sei que você tem um método de ensino diferenciado na região e que os seus atuais clientes já demandam uma continuidade na educação dos filhos na mesma linha atual. Agora, você já pensou na marca? É porque a marca é fundamental para qualquer negócio. Você acha que seu filho vai preferir comer numa lanchonete qualquer ou no McDonald’s? Você precisa se associar a uma grande marca de franquia, tipo uma COC, Pitágoras, etc para já entrar ‘arrebentando’, senão ninguém vem. Outra coisa, já pensou que você precisará ter uma administração eficaz e profissional não é? Sabia que a maior parte das pequenas empresas morre porque não sabem fazer planejamento? Pois então, enquanto vocês eram uma pequena escolinha dava para ir tocando não é? Agora, com uma escola maior, administrá-la será uma grande desafio que pode estar fora do alcance de suas atuais competências. Vai precisar reservar um salário, e dos bons, para ter um bom administrador.
E quanto à campanha de publicidade? Não vá se iludir achando que o ‘boca-a-boca’ vai funcionar tão bem quanto foi até agora, não tem jeito, você precisa atrair muitos clientes em curto espaço de tempo, isso só é possível investindo pesado em mídia, anúncios em outdoors, na rádio da cidade, encartes nos jornais, olha que é um bom dinheiro nesta parte também. Não se esqueça que a metodologia de ensino, por mais inovadora e alinhada com as mais modernas técnicas de nada adianta se não fizer aquilo que o pai mais deseja, colocar o filho nas melhores universidades. Você acha que vai conseguir provar que sua metodologia ajudará o seu aluno a passar nos vestibulares mais concorridos? Olha Luzia, honestamente, conhecendo o povo desta cidade, eu diria que os que acreditam neste modelo de ensino são tão poucos que você teria muita dificuldade em conseguir montar uma turma.
Por último e não menos importante, pense nos funcionários. Você vai precisar de mais professores e com boa formação. Não vá achando que pagando o salário que você paga vai conseguir atrair bons professores, você vai ter que melhorar o salário para atrair bons profissionais, e conseqüentemente, vai ter que melhorar o salário dos atuais professores. Isso sem falar no que você ainda vai gastar para treinar estes professores no seu método de ensino.
Enfim, você está disposta a enfrentar tudo isso em troca do risco de não conseguir atrair a quantidade mínima de alunos para cobrir os custos fixos? Se eu fosse você esperaria mais um pouco para ver se a situação melhora, se alguma escola importante fecha, se surge um novo condomínio grande na cidade, sei lá, alguma coisa que faça com que a oportunidade seja irrecusável, aí então acho que vale a pena se arriscar.”
O que você acha deste discurso? Sem contar o caráter absolutamente desmotivador, esta fala, muito comum entre consultores de negócios, é carregada de clichês que não encontram paralelo na história de vários empreendimentos bem sucedidos. São todos mitos que não podem desqualificar um negócio. O que existe por trás de qualquer empreendedor é sua paixão e a motivação, que gera uma energia e uma vontade de aprender que supera todos os pontos falhos. Isso não quer dizer que este tipo de alerta não deve ser levado em consideração, porém preparar-se para enfrentá-los é diferente de deixar-se abater por eles, como no caso da Luiza que, depois deste ‘balde de água fria’ simplesmente resolveu abandonar o seu sonho.
Os consultores têm este papel de colocar os pés do empreendedor no chão quando ele voa alto demais. Esta racionalidade é necessária para o empreendedor não fugir da realidade, porém não deve ser só a racionalidade que deve vigorar, argumentos racionais são mais fortes e por isso devem ser vistos em conjunto com a paixão. O bom empreendedor usa os dois lados do cérebro de forma equilibrada.
Marcos Hashimoto
Gestão de Negócios
Mestre em Administração pela EAESP/FGV, sócio-diretor da Lebre Consulting, Professor e Pesquisador da Business School São Paulo, Coordenador da Pós Graduação em Empreendedorismo no Uirapuru Superior, membro do Centro de Empreendedorismo da EAESP/FGV, colunista da Você S/A, foi executivo no Citibank e na Cargill Agrícola. É um dos autores do software de Plano de Negócios SP Plan da parceria Sebrae-SP/Fiesp, parceiro do Instituto Chiavenato, Instituto Empreender Endeavor e Instituto Brasileiro de Intra-Empreendedorismo.
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