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Terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Preconceito tributário

“O homem é o homem e a sua circunstância”. A máxima de Ortega Y Gasset vale para a questão tributária que se discute no momento envolvendo a CPMF.
A análise apropriada da CPMF deve considerar o tributo em si e o contexto no qual se insere. Infelizmente, a discussão ocorre de modo distorcido e preconceituoso.
O possível retorno da CPMF para custear a saúde pública desenterrou discursos desarrazoados contra o tributo. No Editorial de 5 de novembro do jornal O Estado de S.Paulo (CPMF – primeiro recuo de Dilma) a contribuição é rotulada de “malfadado imposto” e que ela teria sido “uma das maiores aberrações do sistema tributário brasileiro”. A ligeireza dessa avaliação é uma amostra de que os críticos permanecem reféns de preconceitos contra o “imposto do cheque”, mesmo com a experiência brasileira com o tributo entre 1997 e 2007 tendo desmentido teses contrárias a ele.
Preconceito e politicagem à parte, a atual discussão sobre a CPMF é oportuna para que aspectos sobre essa contribuição sejam desanuviados e o debate possa ocorrer em um ambiente desprovido de ideias pré-concebidas. Avaliando-o em termos macro e microeconômico, é possível afirmar que esse tipo de tributo é uma forma eficiente para gerar receita pública sem penalizar o contribuinte do modo como ocorre atualmente.
Sob a ótica microeconômica, a CPMF é um tributo que permite maior justiça fiscal por ser um imposto proporcional. Paga mais quem movimenta maior volume de recursos. È um tributo que foge à característica predominante da estrutura tributária brasileira que é a regressividade.
No âmbito da formação de preços, um imposto como a CPMF, mesmo cumulativo, se revela menos distorcivo que um IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Essa conclusão, não refutada pelos “ivadólatras”, deriva de simulações baseadas na matriz de Leontief e que constam do livro Bank Transactions: Path to the Single Tax ideal, disponível em www.amazon.com/books
Em termos macroeconômicos, a CPMF é um tributo com potencial para alavancar a competitividade empresarial, caso fosse utilizada para substituir os atuais impostos. A produção brasileira é fortemente onerada em termos de desembolso com tributos e também por conta da obrigatoriedade de se manter uma estrutura administrativa de alto custo para atender os ditames da legislação fiscal. No âmbito de uma reforma tributária, a substituição de vários tributos convencionais por apenas um sobre a movimentação financeira passaria a aplicar sobre as empresas uma alíquota reduzida quando comparada com as vigentes e exigências burocráticas seriam extintas. Com a redução do custo tributário, o setor produtivo se tornaria mais competitivo, com efeito sobre as exportações, o emprego e a renda.
Portanto, a CPMF como espécie tributária é um imposto que possui qualidades e que está afinado com as necessidades da reforma tributária no País, já que redistribui o ônus tributário, produz menor impacto nos preços quando comparado com o sistema atual e torna a economia nacional mais competitiva ao reduzir custos para as empresas.
O que precisa ser combatido é a circunstância em que a CPMF pode ressurgir. Ou seja, deve ser rejeitada como mais um imposto a onerar o contribuinte. Porém, suas qualidades como fundamento para uma reforma tributária precisam ser reconhecidas, para isso é necessário analisá-la sem preconceitos.
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Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. É autor da proposta do Imposto Único.

Marcos Cintra

Marcos Cintra Opinião Econômica

58, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças de São Bernardo e autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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