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Terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Empreendedores só podem ser liderados por empreendedores

Há alguns anos prestei consultoria a uma empresa de embalagens no interior do estado. Meu papel era orientar os donos na elaboração do seu planejamento estratégico de 5 anos. Por algumas semanas, acompanhei suas atividades diárias, conheci sua diretoria e participei de algumas reuniões entre eles.
 
Era comum, nas reuniões, os dois sócios colocarem em pauta decisões para serem discutidas e tomadas em conjunto. A estas reuniões, quinzenais, participavam todos os membros da diretoria, 5 diretores e dois gerentes seniores que tinham status de diretores. A maioria dos temas era ligada a problemas internos do dia-a-dia que nem deveriam envolver tanto tempo das reuniões, mas a empresa era pequena, tinha menos de 200 funcionários e inevitavelmente questões menos estratégicas acabam fazendo parte das discussões.
 
Alguns assuntos, entretanto, tinham grande importância no direcionamento do futuro da empresa, mas eram confundidos, tanto pelos sócios como pelos diretores, com os demais tipos de problemas. A relevância dada a estas discussões, mais estratégicas, era a mesma dada aos problemas corriqueiros. Assim, problemas como decidir se a empresa deveria abrir novas unidades no Nordeste, eram rapidamente discutidos e votados entre os presentes, não levando mais do que 20 minutos para tomar a decisão.
 
Como mero observador, eu só os ouvia e deixava para conversar com os donos em particular, depois da reunião. Eu tinha muitas dúvidas sobre a qualificação dos diretores e o processo por eles adotado para este tipo de decisão. Minha impressão era que eles não tinham idéia que uma decisão mal tomada no nível estratégico surtiria impactos muito mais profundos do que simplesmente decidir se vai pagar hora extra para um funcionário em particular.
 
Mas havia um membro no grupo que era diferente dos demais. Seu nome é Emanuel e era um dos dois gerentes convidados para a reunião. Sua postura era bem diferente dos demais. Quando parecia que todos haviam se manifestado sobre uma idéia colocada por um dos sócios - com uma forte tendência de aprovar incondicionalmente o que o chefe havia proposto – Emanuel pedia a palavra e colocava mais um ponto de discussão para o grupo.
 
Embora Emanuel, o único do grupo que não tinha formação superior, trouxesse observações pertinentes, era visto como impertinente pelos seus colegas. As reuniões que duravam normalmente 1 hora, quase sempre chegavam a 2 horas quando Emanuel estava presente. Em muitas circunstâncias eu ouvia os colegas perguntarem, antes da reunião começar se o Emanuel viria. Se a resposta fosse positiva, comentários de desagrado e piadinhas surgiam indisfarçadamente.
 
Numa ocasião, presenciei o seguinte diálogo dentro da reunião:
Sócio: - Bem, então todos concordam que a importação da nova máquina de impressão deve ser adiada em dois meses para incorporarmos as novas funcionalidades do software, certo?
Diretores (um a um): - Concordo!
Emanuel: - Posso perguntar uma coisa?
Todos: - Eeeeh, lá vem o Emanuel de novo! O que foi? Não vai me dizer que você não concorda?
Emanuel: - Não é isso, eu até concordo, mas acho que não discutimos o assunto o suficiente, e isso é importante porque este equipamento tem outras funcionalidades que prometemos aos clientes há 3 meses. Se adiarmos de novo, serão 5 meses de atraso. É isso mesmo que queremos?
 
Seguiu-se então quase uma hora de discussão, que começou com todos ‘detonando’ o Emanuel com todas as ‘obviedades’ da decisão, e terminou com a necessidade de uma pesquisa com estes clientes – que o próprio Emanuel se encarregou de fazer – para saber o impacto de mais um adiamento.
 
Um dia, um dos sócios me chamou para saber minha opinião sobre uma decisão que ele estava prestes a tomar: ‘Vou demitir o Emanuel’. ‘Porquê?’, logo perguntei, ao que ele respondeu:
 
- Não estou gostando do comportamento dele. É sempre questionador, coloca sempre em dúvida as decisões do grupo. É muito ‘do contra’, parece que só quer tumultuar as reuniões. Ele definitivamente é o tipo de pessoa que não trabalha em prol do time, ele não combina com o resto, é uma voz dissonante na harmonia que temos no grupo. Ninguém gosta dele.
 
Prestei muita atenção nas suas palavras, ao mesmo tempo que tentava escolher muito bem as minhas na minha resposta. Eu não queria ser mal interpretado. Quando ele terminou, eu disse:
 
- Pense bem nisso. Preste atenção nas decisões tomadas. Veja se a maioria não foi a favor de uma idéia ou opinião que os sócios propuseram. Mas algumas decisões foram diferentes, não foram? Você sabe por quê? Não seria porque alguém no grupo teve a coragem de discordar do chefe e levantou pontos para discussão que mudaram a decisão? Você está pensando em demitir alguém que não joga em grupo ou o único que não pensa como você? Veja se isso que você chama de ‘harmonia do grupo’, no fundo não é uma grande falsidade da maioria da sua equipe. Seja sincero e lembre dos momentos em que o Emanuel intercedeu. Que decisões ele influenciou que se mostraram equivocadas? É isso mesmo. Nenhuma! Lembra-se da decisão da compra da nova impressora? Vocês acabaram não adiando a compra por causa do resultado de uma pesquisa que ele fez. Se não fosse por ele, vocês teriam perdido vários clientes. Ele pode não jogar pelo grupo, mas com certeza ele é o mais comprometido com a empresa.
 
Ele escutou atentamente, eu diria até que boquiaberto com minha sinceridade. Mas eu era de fora e estava sendo pago justamente para fazer este tipo de ‘coaching’, eu não tinha nenhuma restrição para falar. O Emanuel, com certeza, era muito mais corajoso do que eu.
Ele chegava mesmo a ser petulante e arrogante, tal sua auto-confiança. Mas mesmo sendo tão rebelde, conseguia ao mesmo tempo cativar as pessoas pela sua simplicidade. Empreendedores, assim como Emanuel, não se importam em manifestar idéias e opiniões diferentes do grupo. Empreendedores possuem muita segurança em si mesmos. Da mesma forma que podem mudar o rumo de uma empresa, mesmo sendo funcionários, também cometem erros e eu via em Emanuel um profissional que vivia na corda bamba. Os sócios acabaram desistindo da idéia de demiti-lo.
 
Outro dia, o encontrei casualmente no shopping e paramos alguns minutos para tomar um café e conversar. Fiquei contente em saber que ele continua na empresa, mas desta vez como diretor, o único da equipe sem formação superior. Depois de 5 anos, achei que era a hora de contar sobre a conversa que eu tive com os sócios. Ele ficou surpreso, pois nunca soube da minha intervenção para mantê-lo na empresa e me agradeceu por isso. Aproveitei a deixa e perguntei o que teria acontecido se eu não o tivesse defendido na ocasião. Como ele se expunha daquela forma e vivia correndo estes riscos. Ele não tinha medo de ser demitido? Então ele me respondeu:
 
- Sabe o que é Marcos, eu nunca consegui ficar quieto diante de uma coisa que eu sabia que iria dar errado. Eu não tenho faculdade, mas atuo nesta área há muitos anos e às vezes preciso me impor de forma mais enérgica para ser ouvido. O que me levava a contrariar o grupo era meu interesse em ver a empresa crescer. Nunca me preocupei com uma eventual demissão. Eu não sou bobo, Marcos. Eu tenho certeza que, no dia que eu for demitido, no dia seguinte pelos menos 3 concorrentes vão me procurar com ofertas até melhores do que eu tenho hoje. Eu sei o valor do meu passe no mercado. Mas eu só mudo se realmente for forçado, pois acredito demais no futuro da nossa empresa.
 
Esta história me leva a duas conclusões: Primeiro para os funcionários. Para correr riscos e se expor dentro do ambiente de trabalho, conheça-se melhor primeiro, descubra como anda sua empregabilidade e o terreno onde está pisando. É o domínio do ambiente que lhe dá a auto-confiança para quebrar regras. Ser demitido por manifestar suas opiniões só prova que aquele lugar não é para você, é o sinal de que você precisa buscar uma empresa cujos líderes também sejam empreendedores para lhe dar o espaço que você precisa.
 
A segunda conclusão é para os líderes. É muito fácil nos livrarmos de funcionários que nos contrariam e não aceitam passivamente o que determinamos. O difícil mesmo é lidar com eles e admitir que precisamos ser contrariados de vez em quando. Apenas líderes empreendedores possuem a nobreza de espírito para reconhecer isto. Não se esqueça, empreendedores só podem ser liderados por empreendedores. Se você quer que seus funcionários sejam mais empreendedores, você também precisa ter esta atitude.

Marcos Hashimoto

Marcos Hashimoto Gestão de Negócios

Mestre em Administração pela EAESP/FGV, sócio-diretor da Lebre Consulting, Professor e Pesquisador da Business School São Paulo, Coordenador da Pós Graduação em Empreendedorismo no Uirapuru Superior, membro do Centro de Empreendedorismo da EAESP/FGV, colunista da Você S/A, foi executivo no Citibank e na Cargill Agrícola. É um dos autores do software de Plano de Negócios SP Plan da parceria Sebrae-SP/Fiesp, parceiro do Instituto Chiavenato, Instituto Empreender Endeavor e Instituto Brasileiro de Intra-Empreendedorismo.

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